Foto: Nathália Schneider
A publicação de um livro vai muito além de fazer a produção dele e distribuição para venda. É um processo criativo dos autores e das editoras. Também, fica claro que é um trabalho coletivo, um livro não se produz sozinho.
Mesmo em um ambiente tão digital que vivemos, com livros digitais e produções pensadas para as redes sociais, há quem ainda viva de produções impressas. E viver distante dos livros físicos está longe de ser uma realidade para algumas pessoas, e até para as empresas. Neste ano, quando completa 50 edições, a Feira do Livro de Santa Maria teve recorde de escritores lançando livros.
Para pensar o mercado editorial em Santa Maria e no mundo é preciso levar em conta diversas questões: sociais, culturais e econômicas, explica a professora associada do departamento de comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, Marília de Araújo Barcellos:
– Quando entrei em contato com o mercado editorial, duas empresas estavam em destaque: a Rede Globo e a Editora Sulina. Atualmente, este cenário é diversificado, com outras empresas em ascensão, e também com algumas alternativas surgindo.
A editora, diferente das gráficas, recebe o livro ou a ideia dele para pensar a cadeia que vai se seguir, desde a estética e revisão de texto até a circulação dele:
– Hoje, diferente de antes, precisamos pensar todos os processos onde este livro vai passar. Esse é o papel da editora ao receber um produto, seja ele físico ou virtual.
O cenário
Sendo Santa Maria palco da segunda feira do livro mais antiga da América Latina, a cultura de publicação de livros pensados para lançar na feira é intrínseco à cultura da cidade já. Mas, com poucas gráficas da cidade produzindo as impressões, algumas se sobressaem pela tradição. Além disso, editoras universitárias se destacam pelo trabalho e são referências no município e fora daqui.
Com 100 anos de história, comemorados no dia 22 de abril deste ano, a Gráfica Pallotti de Santa Maria é referência no mercado editorial da cidade e do Estado. São cerca de 340 mil exemplares no mês. Nos meses que antecedem a feira a demanda aumenta aproximadamente 15%. Neste ano, 20 títulos da feira estão sendo impressos na gráfica e os exemplares variam de 500 a 1.000. E além da impressão, a gráfica também trabalha com a editoração dos produtos.
Com um dos maiores parques gráficos do Brasil, com 6.000m², sendo a segunda mais antiga do Estado, conta com 120 colaboradores. Mesmo não havendo aumento na equipe no período, a dedicação é intensa e focada para a Feira, como conta Denise Nogueira de 59 que se dedica há mais de 30 anos no atendimento e orçamento da Pallotti:
– A nossa produção aumenta, principalmente um mês antes do início da Feira do Livro, quando editores e escritores daqui e de outros estados começam a entrar em contato e solicitar orçamentos. Não chegamos a aumentar a equipe em função da feira, mas fizemos um rearranjo interno para dar conta da produção. A prioridade neste momento são os livros que serão lançados no evento.
Já os trabalhos de editoração podem ser pensados pelas editoras universitárias, no caso as editoras UFN e UFSM.
A editora da Universidade Franciscana surgiu há 19 anos como um espaço direcionado para produções internas da instituição. Atualmente, uma das atividades fixas da editora é a diagramação e publicação de livros científicos disponibilizados na plataforma de periódicos da universidade. Também produzem materiais internos para a instituição e a mantenedora Scalifra. Para o público externo, são produzidas biografias, livros de receitas, análises geográficas da região, cartilhas estudantis, livros religiosos, entre outros.
Como explica o publicitário Lucio Pozzobon de Moraes, hoje diagramador, preparador de textos e capista da Editora UFN, é preciso que as editoras entendam e encontrem possibilidades para que os autores expressam suas ideias de várias formas, independente de como for o formato da produção:
– Como nosso principal trabalho é a produção editorial, e não a distribuição e venda, conseguimos desenvolver projetos especiais conforme a necessidade do autor, que analisa os custos de cada produção a partir do nosso trabalho, e os valores fornecidos pelas gráficas que realizamos orçamentos – complementa.
Já com 40 anos de existência, a Editora UFSM também trabalha com livros focados para a produção acadêmica. Mesmo produzindo e levando o nome da universidade para outros estados, a editora de forma inevitável, assim como todo o cenários literário de Santa Maria, se prepara para a Feira do Livro, como conta o diretor Enéias Tavares:
– Em conversas aqui na editora brincamos que vivemos para alguns eventos. Como por exemplo as bienais e a Feira do Livro. Estamos muito contentes em fazer parte de mais uma e desta edição histórica. Boa parte dos últimos trabalhos foram pensados também para os lançamentos na Feira.
Outro exemplo de editora em Santa Maria é a Memorabilia, criada em abril de 2021, a editora santa-mariense já produziu 19 livros, 13 deles lançados nas duas últimas edições da Feira do Livro. Márcio Grings, produtor cultural, escritor e jornalista música e idealizador do projeto reforça que o processo de editoração não termina com a publicação do livro:
– Uma editora não deve apenas editorar o livro, ela deve oferecer mais, continuar ao lado do autor após a entrega do produto pela gráfica. Sem divulgação, uma plataforma de venda para envios e uma atuação nas redes para manter o livro em evidência, tudo se evanesce em pouco tempo. Trabalhar com livros é um ato de coragem, e se não houver idealismo e paixão nesse ofício, esqueça tudo, dê um F5 na vida e vá fazer outra coisa qualquer.
Editora Memorabilia
- 1973 - Um ano que conta, da Turma do Café
- Rita Lee - Santa Maria, Maio de 1978, por Gérson Werlang
Este ano são 15 os lançamentos da Editora UFSM na Feira do Livro. Já a Editora UFN lançou um livro nesta edição. Já a editora Memorabilia contribuiu com a publicação de dois.
Editora UFN
- Produtos Técnicos e Tecnológicos em Saúde Materno Infantil II: Multicontextos de Intervenção, com as organizadoras Claudia Zamberlan, Josiane Lieberknecht Wathier Abaid e Nadiesca Taisa Filippin, todas professoras da área da Saúde da Universidade Franciscana.
Editora UFSM
- Avaliação e prescrição de exercícios físicos: uma abordagem interdisciplinar para a saúde e qualidade de vida, de Luciane Sanchotene Etchepare Daronco, Juliane Berria, Daniel Pozzobon, Andressa Ferreira da Silva, Darcieli Lima Ramos e Leandro Lima Borges.
- Conversações entre Filosofia, Escola e Ensino Médio, de Elisete Tomazetti e Jéssica Erd Ribas.
- Convivência das afasias: movimento e experiências em grupo interdisciplinar, de Celia Della Méa e Elenir Fedosse.
- Extensões da clínica psicanalítica na universidade: da escuta à escrita, de Aline Bedin Jordão, Amanda Schreiner Pereira e Gabriela Oliveira Guerra.
- Formação e experiências de docência em Filosofia, de Elisete Medianeira Tomazetti, José Bendito de Almeida Júnior e Patrícia Del Nero Velasco.
- Flora de Santa Maria revisitada: angiospermas nativas e naturalizadas, de Liliana Essi e Renato Aquino Záchia .
- Institucionalismo, desenvolvimentismo e a economia brasileira, de Adriano José Pereira, Herton Castiglioni Lopes e Octavio Augusto Camargo Conceição.
- Memórias, histórias e etnografias: estudos a partir da história oral (coedição com a Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa), de Alessandra Izabel de Carvalho, Luís Fernando Beneduzi, Maria Catarina Chitolina Zanini, Maria Cristina Dadalto e Robson Laverdi.
- Psicologia e Direito no enfrentamento de problemáticas contemporâneas, de Cristiana Rezende Gonçalves Caneda e Jana Gonçalves Zappe.
- Rose Bertelli Braunstein e a criação do Bacharelado em Percussão do Curso de Música da UFSM, de Gilmar Goulart.
- Criação publicitária, de Juliana Petermann.
- Gerontologia: o envelhecimento humano em 10 pontos, de Marco Aurelio de Figueiredo Acosta.
- Leitura em língua inglesa, de Patrícia Marcuzzo.
- Pedagogias da dança, de Neila Baldi.
- Box Discursos do Corpo na Arte - Volumes I, II, III de Enéias Tavares, Gisela Reis Biancalana e Mariane Magno.
Novas páginas sendo escritas
Pensando em novas perspectivas para o mercado editorial, os formandos de Produção Editorial da UFSM Lucas Braga dos Anjos, de 26 anos, e Mar Rodrigues Fonseca, de 22, estão produzindo uma coletânea de histórias com temáticas LGBTQIA+. A ideia é ampliar as vozes de autores independentes e da comunidade:
– Nos propomos a falar de temas que o mercado editorial local não compra por uma série de questões, principalmente porque não consideram que esse tipo de literatura seja relevante ou vendável.
Intitulado de Populário LGBTQIA+: vivências, narrativas e laços, o projeto de conclusão de curso, apesar de ser organizado por eles, tem sido desenvolvido de forma coletiva. Autores da comunidade LGBT+ podem enviar suas contribuições através de um formulário público. Para a seleção do projeto, eles contam com uma comissão de curadoria que trabalha na revisão e preparação dos textos.
A dupla funciona como uma editora de fato: pensam a produção, circulação, estética e estratégias dos produtos. E tem até nome, Editora Crisália. O trabalho também tem recebido muitas contribuições externas. Lucas e Mar contam com ajuda de ilustradoras para a os paratextos, brindes e ilustrações do miolo do livro. Além disso, contam com financiamento coletivo no Catarse para ajudar com o processo de impressão. A estratégia é adotada por muitos autores e editoras para captação de recursos. Com a ajuda, são oferecidos kits de recompensa para os apoiadores, como o livro e brindes.
Os futuros produtores editoriais comentam que o processo de produção deste trabalho é perceber na prática como funciona o dia a dia de uma editora:
– Fazemos a captação dos originais, selecionamos o que estava alinhado ao projeto, fazemos o contato com os autores, preparamos e revisamos os textos, diagramamos, pensamos na impressão e na distribuição. Isso tudo enquanto fazemos inúmeros orçamentos para que o produto saia do papel. Ao mesmo tempo que trabalhamos com a divulgação seja por produção de conteúdo nas redes sociais, para divulgação ou entrevistas, além de contatos com meios tradicionais – explicam.
A professora e orientadora do trabalho Marília Barcellos faz uma ressalva para o que está sendo produzido por eles, mas também por outros artistas e escritores que têm surgido aqui.
– Precisamos olhar para essas novas iniciativas e pautas que a juventude propõe. São eles também o presente e futuro do mundo literário. Há o clássico, pessoas que produzem há muitos anos consolidadas no mercado editorial e estas novas formas de pensar a leitura. Eles têm um potencial criativo muito importante.